quarta-feira, 30 de junho de 2010

Continuação das lembranças...



..."Fomos morar em Ponta Grossa,na rua Do Rosário, numa casa de esquina com
portas envidraçadas; tinha um pé de magnólia muito cheirosas na frente,
a qual ficava cheíinha de flores.

Essa casa ficava perto da Estação, e meu pai era maquinista;
ele fazia as viagens de Ponta Grossa a Curitiba, e quando passava
apitava com um apito de trem lindo e bem comprido, enquanto se distanciava.
Nós corríamos para vê-lo...
Sempre fui fascinada por trens, desde aquela época...
Nessa ocasião, minha mãe estava grávida, não lembro de qual filho(foram onze,
ao todo, mas sobreviveram oito.)
Um dia, mandou-me com Nêne(apelido de Antonio) chamar a parteira.
Quando voltávamos com ela, que vinha sacudindo sua maleta , eu disse para
meu irmão: -Ali dentro está o nenenzinho , e ela sacode a maleta para ele
não chorar..."

..."Minha tia morava na mesma rua, na esquina; era essa tia(Júlia) irmã
de mamãe(Rosinha), casada com o irmão mais velho(Paolo) de meu pai(João Baptista).
A casa era de pessoas com posses, pois tio Paulo era chefe na Rede
Ferroviária.
Íamos, eu e Nêne visitá-los, e ficávamos ,quietinhos, a olhar os móveis
bonitos e a decoração.
Eu gostava ver um quadro grande retratando o rei da Itália com a rainha e
duas filhas moças, uma chamada Matilde e a outra Mafalda.Achava lindo esse
quadro, e quando nasceram minhas irmãs gêmeas, quis que pusessem esses
nomes nas mesmas; que, infelizmente, não viveram muito tempo..."

..."Estudei no Colégio Santana, em Ponta Grossa, no alto da rua onde
morávamos. Ali estudei e aprendi a fazer tricô. Mas foi minha mãe quem me ensinou a ler.
Quando ia para a Escola sempre via jornais jogados, com manchetes sobre
a Primeira Guerra Mundial. As pessoa detestavam o Kaiser...

As lembranças de minha mãe


..."Lembro-me de ter uns dois anos e chorar muito, à noite. Então, meu pai

pegou-me e me levou à uma varanda e, vigiando, deixou-me ali a olhar a

natureza. Recordo até hoje a Lua, tão grande e bonita! Sei que fiquei

quietinha, olhando para ela... Acho que começou aí o meu encantamento pela

natureza.





Aparição da Nêne


... Tínhamos em casa a foto de uma prima, a Nêne, em sua primeira comunhão.

Segundo minha mãe, esta me queria muito, e me embalava sempre. Mas eu não a

conhecia pois ,na época, estávamos morando em outro lugar e ela em Curitiba.

Aos 5 anos, aproximadamente, uma noite dormia com meu

irmão menor em uma cama alta que papai havia feito; (era alta para nos

proteger dos insetos, comuns na região.)

Acordei com o quarto iluminado fortemente, e ao olhar na direção da porta

vi esta minha prima ao lado de uma mesa onde estava um saco de trigo. Ela

apoiava sua mão na mesa e estava vestida exatamente como na foto...

Pensei comigo: é a Nêne...

Fiquei com medo e virei-me de costas para a aparição...

Senti uma mão que me passava pelas costas;gritei e fiz muito

barulho.Meus pais vieram e lhes disse, chorando, que havia visto a Nêne.

Expliquei, mas eles queriam me convencer que isso não era possível, pois

ela estava em Curitiba; papai passou-me para o outro canto da cama,

deixando-me perto da parede.

Alguns dias depois recebemos a notícia de que ela tinha contraído

tifo e havia morrido"...

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Este texto de Lavínia foi entregue ao Fernando, para que o revisasse, pouco tempo antes da doença que a tirou de nós. Ela era uma grande "escritora"...


AO SOPRO DO NOROESTE...


(Lavínia Maria Costa Straube)



Vinham pelos caminhos tortuosos, tão duros, tão estreitos, num passo a
passo contínuo, no incessante caminhar...
Cabeças baixas, olhos sem expressão, baba grossa a escorrer da boca, no
repetido ruminar. Mulas, simples mulas.
Algumas com cangalhas, com bruacas, onde se descobria uma ponta de rede, um embornal, ánelas, a trempe amiga.
Bem à frente, a mais garbosa, andando leve, toda enfeitada de guizos e flores . A madrinha!
Sempre a primeira a empacar! Era um Deus nos acuda!
Muitas vezes o motivo era um besouro voando mais baixo, roncando sua
alegria pelo dia de sol, outras, a lebre mais afoita, a cruzar o caminho como um raio.
É certo que também uma pinguela podre, um buraco fundo e largo, disfarçado
pelo mato, perigo para toda a tropa, eram evitados pela parada brusca da
madrinha, logo seguida pela tropa toda.Eta, passarinheira!
O cantarolar morno e baixo dos tropeiros ecoava pelos desvãos da estrada,
nos Campos Gerais, reboando e se repetindo na fantasmagórica cidade das pedras, a Vila Velha lendária.
Agora, o caminho cheio de altos e baixos, de flores, de cascatas
cristalinas... As paradas, as pousadas, os ranchos de beira de estrada, os altivos e nobres pinheiros; a terra farta e boa, onde a semente-
trabalho frutificava em tantos mil réis a encher os "pés-de-meia", fazendo
riquezas, comprando pastos para criar o gado, terras para as plantações.
E lá ia a tropa, na longa jornada, levando a riqueza, transportando a
colheita.
Mais além, o rio, o Tibagi, sereno e nobre, parada obrigatória da tropa que
parecia senti-lo, ainda bem longe, erguendo-se em novo alento, até
encontrar a água límpida, tão necessária à caminhada, à vida...

- Será no Tibagi, companheiros. Mais ou menos a uma hora...
- Na saída nós liquidamos ele e o dinheiro há de ser nosso!
- É mesmo! Tanto para um só!
-Tá combinado. Tô com vocês!

Encostado às mulas, nhô Cândido ouve, sem ser visto, a conversa traiçoeira.Os peões de sua confiança!
Não, não era surdo não!
E começa a soprar o Noroeste. Vento amigo, que parece lhe dizer:
-Nhô Cândido, é sua última viagem!
Luta árdua, que termina; e como fora duro o início!
Tropeiro humilde, muito humilde e pobre. Mas trabalhando e
trabalhando, fora crescendo, subindo e aí estava, dono da tropa .Tão
grande. E de terras tão vastas...
É dono do sorriso, do amor de sua Isabel!
O sonho dos dois era pequeno, bem simples. Uma casinha, uma hortinha,
jardim, pomar e as crianças chegando.
Nunca mais o caminho tão duro que as mulas iam agora, pouco a pouco,
vencendo.
Ouvindo seus peões sentiu seus sonhos irem sumindo...
Traição e cobiça acabariam com ele, para sempre.
Fugir, para onde? Como?
Apelar? A quem?
Em sua angústia, segue junto às mulas. Encostado a elas, parece pedir-lhes
proteção.
E o Noroeste, agora a assobiar, a rir, escarninho, segredando:
Será no Tibagi. No Tibagi!
E foi no Tibagi onde ficou Nhô Cândido, espancado, roubado e quase morto,
mas conservando na mão cerrada, o anel de ouro com o nome de Isabel
gravado, que escapara à sanha dos peões.
Olhos esbugalhados, com brilho estranho! E o anel, sempre em sua mão, que
ninguém conseguira abrir!
Acudido vai, pouco a pouco, recobrando a lucidez.
Sua Isabel, companheira para toda a vida, ajuda-o a refazer os planos.O
anel passa para seu dedo.
Casa com ele. Vivem felizes, com o pouco que têm.
Mas, que não sopre o Noroeste!
Atira-se aos socos contra o vento, perseguindo-o a gritar:

-Tibagi Tibagi...
Até cair exausto.
O véu da mente se descerra e ele volta a viver de novo o pavor, até que o
Noroeste suma...

Ela era quase Isabel. Em 1965.
Em 1865 vivera a outra, de quem ela teria, como herança familiar, a
aliança larga, pesada, de ouro.

Com o nome Isabel, gravado no interior, com letras grandes.
Desde bem pequena ouvira a história e gostava de segurar a jóia, olhando
interessada o nome gravado.
Que era quase o seu!
Até que, madrugada ainda, acordou a mãe, dizendo:
-A moça veio buscar o anel.
-Que moça?
-Grandona, bem bonita, alegre. Quer o anel. Vou dar para ela!
-Tá bom, tá bom!
E a mãe voltou a dormir, desinteressada.
No outro dia, mais outro, mais um, mais uns e nada de se encontrar o anel.
Que nunca mais foi achado.
A trisavó viera buscá-lo?
-Responda, Isabela!
E a menina sorria...